Nos últimos anos, diversos filmes baseados na vida de seriais killers reais ganharam as telas. Todavia, a maneira como esses casos são tratados, via de regra, peca pelos excessos. É comum a busca desesperada por respostas, que muitas das vezes se confunde com a tentativa de gerar empatia pelo homicida. Da mesma forma, a atribuição de qualidades sobre-humanas a assassinos em série tornou-se uma marca do subgênero. Contudo, ‘O bar da luva dourada’ (Der goldene Handschuh), filme alemão dirigido por Fatih Akin, foge à regra, apesar do seu apelo gráfico.

O filme nos apresenta o cotidiano de Fritz Honka, um serial killer alemão de aparência deplorável cujos hobbies consistem em consumir álcool e frequentar o bar luva dourada em busca de prostitutas. Estranhamente, a sua aparência e os seus trejeitos se perdem diante dos excêntricos frequentadores do bar.

Ambientado em Hamburgo, na década de 1970, predomina o clima de pós-guerra, marcado pela evidente desesperança de seus personagens. São ex-combatentes, prostitutas idosas e valentões entregues ao álcool na tentativa de fugir de seus próprios demônios. Talvez por isso a insensibilidade dos personagens seja tão escancarada.

Nessa linha, os atos de violência de Fritz Honka contra as suas candidatas a vítima são testemunhados, porém ninguém aparenta se importar. A manchete no jornal acerca da descoberta de um corpo esquartejado nas proximidades parece irrelevante. Em nenhum momento é estabelecida uma relação entre a personalidade agressiva de Honka e a vítima noticiada. Se não bastasse, temos vítimas que cedem as agressões como forma desesperada de sustentar os seus vícios.

Essa permuta é recorrente na trama ao passo que o diretor explora as carências emocionais das personagens. Destaque para Gerda Voss, que mesmo violentada busca a aceitação de Honka, se submetendo a humilhações e a podridão do apartamento como uma forma de garantir a moradia e algumas poucas doses. Mais absurdamente, cogita apresentar a sua filha ao assassino – personificada por Honka como sendo a jovem Petra, uma garota vista uma única vez por ele.

Ciente da sua rejeição entre as mulheres, Honka recorre às prostitutas idosas, menos criteriosas em relação aos seus clientes. Contudo, acometido pela disfunção erétil, apela para pôsteres pornográficos colados nas paredes, que obviamente não seriam capazes de resolver o seu problema. Finda, então, por culpabilizar os corpos femininos a sua frente. Frustrado sexualmente, agride as suas vítimas e faz uso dos mais diversos objetos para violá-las.

Nesse ponto, o filme não disfarça a atmosfera sádica em torno das atitudes misóginas do serial killer. Entretanto, busca amenizá-la ao garantir o direito à vida a algumas privilegiadas, que tiveram o desprazer de conhecer Honka. Salvas de maneiras inusitadas tal como pelos efeitos do álcool, por uma fuga rápida ou pela intercessão de uma freira, essas personagens garantem uma segunda chance ainda que não tenham conhecimento.

Consoante esses aspectos, temos um filme que explora sublimemente as misérias humanas. Trata-se de um passeio macabro pelo inferno, aqui chamado de Bar da Luva Dourada, com seus personagens decrépitos e incapazes de transformar a própria realidade. Frisa-se a ótima atuação de Jonas Dassler no papel de Fritz Honka e a maquiagem que o torna irreconhecível. Outro ponto a ser parabenizado é a sonoplastia, responsável por grande parte do desconforto durante a sessão. Por fim, ressalta-se que o enredo é construído de maneira expositiva e pouco se preocupa em justificar os crimes praticados, talvez por isso sejamos tão pouco informados acerca da infância e adolescência do serial killer, o que ao meu ver foi essencial para construção do caráter grotesco e repulsivo da obra.

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O filme está disponível no catálogo do Telecine.

Jonas Dassler, o ator que interpretou Fritz Honka. Créditos: IMDB

Avaliação: 4 de 5.

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Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Sergipe. Entusiasta dos estudos interdisciplinares entre o Direito e a Literatura. Genealogista amador e aspirante a escritor. Tem gosto artístico, habilidade manual, gosta de desafios, é idealista, quase sempre está de bom humor e dificilmente desiste dos seus ideais.

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