24 DE JUNHO DE 1998 – a Sra. Kathleen Grundy, 81 anos, ex-prefeita de Hyde, é encontrada morta em sua casa, poucas horas após a visita do seu médico, o Dr. Harold Frederick Shipman. A morte repentina deixa a família perplexa, pois até então ela aparentava estar bem de saúde.

No dia seguinte, Angela Woodruff, a filha da falecida, é comunicada por um escritório de advocacia sobre a existência de um testamento deixado por sua mãe. Entretanto, tal episódio gera desconfiança, uma vez que ela é advogada e sempre foi a responsável por cuidar dos interesses da matriarca, desconhecendo qualquer outro testamento senão o que havia ajudado a elaborar anos antes. Se não bastasse, o novo documento havia alterado o rol de herdeiros, deixando para o Dr. Shipman todo o patrimônio – estimado em cerca de 400 mil libras.

Convicta quanto a falsificação do testamento, a filha da sra. Grundy contatou a polícia, que coincidentemente já investigava outros óbitos de pacientes de Shipman em condições suspeitas. Além disso, estavam cientes da alta taxa de mortalidade de idosos pacientes do Dr. Shipman. Contudo, em razão da precariedade de provas, nenhuma ação contra ele havia sido tomada.

A polícia descobriu que o testamento havia sido produzido em uma máquina de escrever encontrada no consultório do Dr. Shipman, além de impressões digitais deixadas no documento. Descobriu-se também que ele havia falsificado as assinaturas das supostas testemunhas. Após reunir provas suficientes, a polícia exumou o corpo da sra. Grundy para autópsia, comprovando a existência de quantidades letais de morfina, o que possibilitou a prisão do Dr. Shipman sob a acusação de falsificação documental e assassinato.

Inicialmente, as acusações dividiram a opinião dos moradores de Hyde. Era difícil aceitar que o bom vizinho e médico de confiança pudesse ser culpado. Entretanto, à medida que as investigações avançavam ficava mais difícil acreditar na inocência do Dr. Shipman. A autópsia nos corpos de outras idosas pacientes do serial killer, que estavam em boas condições de saúde e que foram atendidas por ele no dia que faleceram, também apontou para quantidades letais do analgésico diacetilmorfina.

A partir disso, ficou evidente o quanto Shipman era prolixo em relação ao procedimento adotado para assassinar as suas pacientes. Após uma visita inesperada a residência da vítima, injetava uma dose letal de diacetilmorfina – nome clínico da heroína – e ia embora. Mais tarde, ao ser acionado pelos familiares, retornava para emitir o atestado de óbito conferindo à morte a causas que corroboravam com os prontuários médicos, estes adulterados com o intuito de criar histórias médicas falsas para justificar as mortes repentinas.

O Dr. Shipman foi levado a julgamento no Tribunal de Preston pelo total de quinze assassinatos e por falsificação. Ele negou todas as acusações, porém, em 31 de janeiro de 2000, foi considerado culpado pelo júri, sendo condenado a quinze sentenças de prisão perpétua e a quatro anos por falsificação.

Tenho poucas dúvidas de que cada uma de suas vítimas sorriu e agradeceu quando ela se submeteu às suas administrações mortais

“Finalmente o senhor foi levado à justiça por seus crimes perversos. O senhor abusou da confiança dessas vítimas – afinal era médico delas”, disse Thayne Forbes, juiz da Suprema Corte. “O senhor utilizou suas habilidades médicas de maneira perversa, fria e calculista, não demonstrou remorso. Tenho poucas dúvidas de que cada uma de suas vítimas sorriu e agradeceu quando ela se submeteu às suas administrações mortais”.

Após cumprir apenas quatro anos da sua pena, no dia 13 de janeiro de 2004, o Dr. Shipman foi encontrado enforcado em sua cela, na prisão de Wakefield. Acredita-se que o suicídio às vésperas do 58º aniversário foi premeditado com o intuito de garantir indenização e pensão a esposa.

Primrose Oxtoby e Harold Shipman. Créditos: Manchester’s Finest

Classificação: Serial Killer
Onde: Todmorden, West Yorkshire; Hyde, Cheshire, Inglaterra
Quando: 1975 – 1998
Número de Vítimas: 15 – 215+
Método de Assassinato: Injeções mortais de diamorfina
Pena: Prisão Perpétua
As Consequências:

Depois do julgamento, teve início um inquérito para determinar como o Dr. Shipman conseguiu atuar por tantos anos sem ser apanhado. As conclusões foram estarrecedoras: o serial killer havia matado pelo menos 215 pacientes, número que pode ser ainda maior, sendo em sua maioria do sexo feminino e com idade entre 41 e 93 anos, em um período de 23 anos.

Além disso, a prisão de Harold Shipman gerou diversas críticas ao Conselho Médico Geral, o órgão responsável por regulamentar o exercício da medicina, pelos procedimentos e pela cultura de proteger os profissionais a qualquer custo e em detrimento dos pacientes.

Em relação às buscas por possíveis motivações para o imenso catálogo de crimes, não houveram respostas muito conclusivas. Durante o julgamento foi dito pela acusação que a única razão aparente era o gosto por exercer o poder supremo – o de vida e ou morte. Já para o psiquiatra Dr. Richard Badcock, Harold Shipman disfrutava de um prazer sexual no ato de induzir a morte, sintomas de um “necrofílico clássico”. Somava-se a isso o trauma causado pela morte da mãe – acometida lentamente por um câncer, a incapacidade formar relacionamentos significativos e a sua arrogância.

Capa do The Mirror em 1 de fevereiro de 2000. Créditos: Manchester’s Finest

Por fim, amostras de doze vítimas de Harold Shipman, coletadas durante o período de investigação, no final da década de 1990, foram mantidas por anos pela polícia para serem usadas como elementos probatórios caso Primrose Shipman, a esposa do assassino em série, decidisse apelar contra a condenação. Entretanto, foram descartadas em 2011, sem qualquer cerimônia e sem antes informar aos familiares das vítimas. O ocorrido foi descoberto por um repórter local e, em razão disso, a polícia foi compelida a contatar as famílias envolvidas antes de um possível escândalo midiático. Todas aceitaram e compreenderam a motivação da polícia, que havia optado por não gerar mais transtornos e angústias.

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Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Sergipe. Entusiasta dos estudos interdisciplinares entre o Direito e a Literatura. Genealogista amador e aspirante a escritor. Tem gosto artístico, habilidade manual, gosta de desafios, é idealista, quase sempre está de bom humor e dificilmente desiste dos seus ideais.

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