Em novembro de 1999, em São Paulo, Mateus da Costa Meira, 24 anos na época, estudante do curso de medicina, invadiu armado uma sala de cinema do Morumbi Shopping e disparou contra a plateia. De acordo com à revista VEJA, edição 1623, 28 pessoas que assistiam à última sessão do filme “Clube da Luta” viveram momentos terríveis resultantes de uma modalidade de crime até então inédita no Brasil: o assassinato em massa. A ação resultou na morte de três pessoas e deixou outras cinco feridas.
Mateus disse que já vinha pensando em cometer um crime assim há sete anos. Ele tinha uma pistola 380, mas optou por outra arma para cometer o massacre. Pagou R$5000 por uma submetralhadora americana Cobray M-11/9 calibre 9 milímetros a um traficante de drogas. Chegou ao shopping por volta das 9h15, onde discutiu com um segurança particular. “Você toma anabolizante, isso é droga e vai te matar. Sou médico e sei o que é isso”, disse Matheus ao rapaz, que procurou um segurança do shopping para avisar que tinha uma pessoa alterada no banheiro. Enquanto isso, Matheus Meira se dirigia ao cinema.
Após assistir ao filme por cerca de 15 minutos, Mateus foi ao banheiro, tirou a submetralhadora da mochila, apontou para a sua imagem no espelho e atirou. Em entrevista a ISTOÉ, Mateus disse que atirou no espelho primeiramente para ter certeza de que a arma iria funcionar. Entretanto, a arma estava no modo intermitente, isto é, dava um tiro de cada vez, e o estudante não conseguiu regulá-la para que os tiros saíssem em rajadas. Depois, voltou à sala, parou perto da tela e disparou para cima.
Mais adiante, Mateus caminhou até a segunda fileira e atirou contra a parede do lado oposto. O pânico tomou conta do local, as pessoas gritavam e se jogavam no chão. Ele direcionou a arma para o ponto de maior concentração de pessoas e efetuou diversos disparos, oito delas são atingidas, dentre elas a fotografa Fabiana Freitas, atingida por dois tiros no tórax, morreu na hora. O produtor de cinema Carlos Eduardo de Oliveira, namorado de Fabiana, se jogou sobre ela na tentativa de protege-la e foi atingido no braço e no pé direito.
Após se atrapalhar com a arma, e em um momento de distração, Mateus foi surpreendido por um grupo de espectadores que avançou contra ele. O estudante não ofereceu resistência e, pouco depois, os seguranças do shopping chegaram, evitando assim que o jovem fosse linchado.
Após cinco horas, na madrugada de quinta-feira, foi confirmado o falecimento do analista de sistemas Júlio Maurício Zamaitis, uma bala havia perfurado uma das lentes dos óculos do rapaz e atravessado a sua cabeça. Na sexta-feira, morreu no hospital Albert Ainsten a publicitária Herme Luiza Jatobá Vadasz, 44 anos. Ao todo foram confirmadas três mortes e cinco feridos.
Mateus foi levado à delegacia seccional Sul, no Brooklin. Lá, contou que ouvia vozes. Além disso, confirmou que comprava drogas constantemente, e que as comprara do mecânico Marcos Paulo Almeida Santos, o mesmo fornecera a submetralhadora. Foram encontrados na residência de Matheus vestígios de crack, mais de 300 cápsulas de submetralhadora e quatro papelotes com pelo menos 1 grama de cocaína cada um e 33 pacotes vazios. No dia 11 de novembro, o Laudo de exame toxicológico do IML (Instituto Médico Legal) aponta que Mateus estava sob efeito de cocaína no dia do crime.
Natural da Bahia, filho de um oftalmologista de renome em Salvador, de uma família de classe média alta, ele já havia sido submetido a tratamento psiquiátrico em sua infância. Nunca teve um relacionamento muito afetuoso com os pais. E, há pelo menos dois meses antes do atentado, vinha consumindo cocaína além de abandonar o uso do medicamento Zyprexa, utilizado no tratamento agudo e de manutenção da esquizofrenia e outras psicoses.
Na santa casa de Misericórdia, onde cursava o 6º período de Medicina, não mantinha contato com ninguém, era visto sempre andando cabisbaixo, taciturno. No primeiro ano, foi um aluno excepcional. No segundo, foi apenas um bom aluno. No terceiro, medíocre. Repetiu o quarto, fez apenas uma matéria no quinto e no sexto. “Caso não tivesse provocado essa tragédia, ele dificilmente seria lembrado, Tinha uma atuação apática”, disse o professor Ivan Pistelli.
Mateus pagava para que outros alunos cumprissem o plantão dele aos sábados e domingos na Santa Casa. Quando foi descoberto, encaminharam-no ao centro de apoio psiquiátrico da universidade. Foi constatado que ele precisava de tratamento imediato. Dias depois, ele piorou e foi decidido interná-lo na Clínica Psiquiátrica Parque Julieta, na Granja Julieta, bairro nobre de São Paulo, à revelia do paciente. O pai de Mateus havia ido a São Paulo acompanhar o tratamento que, segundo ele, estava respondendo bem. Mas, o pior ainda estava por acontecer, após a volta do pai a Salvador para resolver problemas pendentes, Mateus interrompeu a medicação e não voltou mais ao consultório do psiquiatra.
O jovem calado e tímido, tido com estranho, também era um pirata da informática. Foram apreendidos em sua casa, quatro computadores e mais de 1000 CDs virgens que usava para copiar softwares. Em 1997 foi procurado pela polícia, mas nem foi processado por crime de pirataria. Além disso, era aficionado em jogos de estratégia e de memória. Foi com o dinheiro da venda de softwares pirata que Mateus utilizou para comprar a arma.
O pai de Mateus lamentou: “Eu sei que outros pais perderam seus filhos, mas sei que meu filho fez isso porque está fora de si”. Na delegacia, perguntou como ele estava. O rapaz disse que estava tudo bem. Contrapartida, os amigos e familiares das vítimas estavam inconformados com o acontecido. “Estão colocando esse cara como doente, mas ele é um monstro, um assassino cruel e tem de pagar por isso”, disse Orlando Moraes, amigo de Herme, uma das vítimas fatais.
“Quem deu azar de estar naquela sala de cinema se tornou símbolo de tudo que Mateus desprezava”, disse George Palermo, professor de psiquiatria e criminologia do Medical College of Wisconsin, em entrevista à VEJA. Segundo ele, Mateus tinha um perfil que se aproxima ao de assassinos em massa dos Estados Unidos.
No dia 19 daquele mês, o Ministério Público denunciou Mateus à Justiça por três homicídios, quatro tentativas de homicídio e por ter colocado em risco a vida de outras 15 pessoas — número de balas restantes na submetralhadora. O mecânico Marcos Paulo Almeida dos Santos foi acusado de ter vendido a Mateus a arma usada. No dia 29, o estudante foi interrogado no 1º Tribunal do júri, mas decidiu não responder as perguntas. Anteriormente, havia dito à polícia que agira como forma de se livrar das vozes que ouvia. Quanto ao mecânico, negou ter vendido a arma utilizada por Mateus.
O psiquiatra José Cassio do Nascimento Pitta, indicado como testemunha de acusação pelo Ministério Público, falou com o ex-estudante na delegacia e disse que o ele não apresentava sintomas de surto psicótico três horas depois do crime. Ele deu a Mateus o mesmo diagnóstico psiquiátrico relatado em um laudo feito por peritos nomeados pela Justiça, transtorno de personalidade esquizoide, problema que não o impediria de ter consciência de seus atos. O diagnóstico foi desfavorável a Mateus pois permitia a realização de júri popular sem que ele tivesse a redução de pena por causa do transtorno de personalidade. Do contrário, ele seria recolhido a um manicômio judicial.
A defesa de Mateus perguntou a Pitta se o ex-estudante poderia ser considerado semi-imputável (com parcial consciência dos atos), o que representaria redução de pena de um terço a dois terços, segundo o Código Penal, mas ele se recusou a responder. “Por uma questão ética, não posso falar sobre isso”, disse Pitta. Os advogados do ex-estudante afirmam que ele era semi-imputável e criticaram o laudo psiquiátrico oficial. “Loucura é sustentar que meu cliente é um sujeito normal”, afirmou. O réu, na sentença, não foi considerado doente mental.
O estudante foi inicialmente condenado a 120 anos e seis meses de prisão por matar três pessoas, tentar matar outras quatro, que ficaram feridas, e colocar em risco a vida de outras 15 pessoas. A sentença foi anunciada pela juíza Maria Cecília Leone. Em 2007, magistrados da 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo reduziram a pena para 48 anos e nove meses. A legislação brasileira, na prática, possui como pena máxima permitida 30 anos. “De forma covarde ele invadiu uma sala de cinema […] as vítimas não tinham culpa dos transtornos do réu e perderam suas vidas em um ato frio. Ele planejou o crime e matou pessoas de bem. Um crime em grande estilo”, alegou a juíza.
Em 2009, a pedido da família, ele foi transferido da penitenciária 2 de Tremembé para a penitenciaria Lemos Brito em Salvador, Bahia. Lá, no dia 8 de maio daquele ano, ele tentou matar um colega de cela. Ele aproveitou como arma uma tesoura utilizada nas atividades artesanais e desferiu um golpe na cabeça de um dos dois companheiros de cela. O penitenciário foi atendido no centro médico e liberado em seguida. Ele foi atuado por tentativa de homicídio e transferido para outra cela na unidade prisional.
Em 2011, a Justiça da Bahia, por meio do júri popular, absolveu Mateus da acusação de tentativa de homicídio contra o colega de prisão. Foi considerada a tese, defendida até pela promotora do caso, Armênia Cristina Santos, de que o ex-estudante era é inimputável por sofrer de doenças mentais atestadas por laudos médicos. Com tal decisão, Mateus foi encaminhado para o Hospital de Custódia e Tratamento (HCT) de Salvador, onde permanece até hoje.
Onde:
Morumbi Shopping, em São Paulo — Brasil
Quando:
Quarta-Feira, 3 de novembro de 1999
As consequências:
O caso teve grande repercussão nacional. Várias foram as hipóteses levantadas sobre a razão que motivara Mateus a cometer tal atrocidade. Muitas explicações psicológicas e psiquiátricas surgiram. Até menções à influência de filmes violentos foram lançadas. Além disso, houve especulações sobre a responsabilidade do Shopping sobre a segurança de seus frequentadores.
Mateus foi inicialmente condenado a 120 anos e seis meses de prisão, mas a pena foi reduzida para 48 anos e nove meses. A pena privativa de liberdade foi convertida em medida de segurança (Processo n. 0880772–84.2009.8.05.0001). Encontra-se preso.
Mateus da Costa Meira, o atirador do cinema — São Paulo, 1999 was originally published in Evidência Criminal on Medium, where people are continuing the conversation by highlighting and responding to this story.