Dificilmente falaríamos sobre um filme cuja premissa se assenta nas aventuras de um grupo de pré-adolescentes durante as férias no verão de 1984, ambientado em uma cidadezinha americana até então monótona, sem remetê-lo à premiada série Stranger Things (2016). De fato, Verão de 84 tem algumas semelhanças com a produção da Netflix, como, por exemplo, a atmosfera saudosista e o processo de amadurecimento de seus personagens, comum ao gênero coming-of-age. Contudo, o filme foge à regra e opta por edificar a jornada da perda da inocência através de um perigo real que se encontra à espreita.

Verão de 84 é dirigido pelo trio formado por François Simard, Anouk Whissel e Yoann-Karl Whissel, que outrora trabalhou no filme Turbo Kid (2015). Já o roteiro ficou por conta de Matt Leslie e Stephen J. Smith. Estes não pouparam o uso de elementos temporais e de figuras caricatas que muito se assemelham a personagens de outros filmes, como, por exemplo, Super 8 (2011), A babá (2017) e A coisa (2017). Talvez por isso tenhamos desde cedo a sensação de já os conhecer.

A trama gira em torno de Davey (Graham Verchere), que está convencido de que o seu amigável vizinho, o policial Wayne Mackey (Rich Sommer), é na verdade “o assassino de Cape May”, um serial killer prolífico responsável pelo desaparecimento de jovens na região. Cansado das férias fastidiosas no subúrbio, onde nada parece acontecer, instiga os seus amigos Tommy (Judah Lewis), Woody (Caleb Emery) e Curtis (Cory Gruter-Andrew) a iniciarem uma traiçoeira investigação a fim de provar o alegado.

Propositalmente ou não, a premissa do filme combina perfeitamente com a década escolhida. O sentimento de insegurança só de pensar na possibilidade de morar ao lado de um assassino em série, mesmo vivendo em um bairro aparentemente pacífico, remete a alguns crimes que marcaram época. Podemos citar, como exemplo, o serial killer John Wayne Gacy, que assassinou pelo menos 33 jovens e ocultou diversos cadáveres em sua residência, mas que até o momento da sua prisão era reconhecido pelos trabalhos sociais prestados à sua comunidade.

As tramas paralelas, por sua vez, são mal desenvolvidas e até certo ponto desnecessárias para a construção dos personagens. Algumas cenas dramáticas são lançadas aleatoriamente para justificar determinados comportamentos. Porém, como dissemos, o grupo de pré-adolescentes formado por um aspirante a galã, um nerd inteligente, um jovem revoltado e um gordinho simpático, todos fissurados na vizinha mais velha e ex-babá de um deles, já é conhecido do público. Apesar da inafastável subjetividade de cada personagem, não apresentaram qualidades substancialmente diferenciadas a serem ressaltadas e que de certo modo acrescentariam algo à trama principal.

Da mesma forma, o enredo não se preocupa em detalhar o perfil do assassino de Cape May, que é utilizado na maior parte do tempo como um plano de fundo para o desenvolvimento do drama juvenil. Temos, então, um serial killer imemorável, distante daqueles carismáticos que marcaram o cinema, como Hannibal Lecter (Silêncio dos Inocentes), Jigsaw (Jogos Mortais) e Norman Bates (Psicose).

Apesar de entregar parcialmente o que promete, o thriller juvenil tem seus méritos, principalmente no que diz respeito ao final inesperado para uma obra do gênero. A fantasia é desmantelada diante da realidade humana ao confrontar a nostalgia de uma década com as suas cicatrizes mais profundas. O filme relembra que a violência não é um mal exclusivo do nosso tempo. Nostálgico para alguns, a lembrança das férias de um verão longínquo pode ser algo sombrio para outros, assim como deve ser para Davey e seus amigos.

Avaliação: 2.5 de 5.

O filme está disponível no catálogo da Amazon Prime Vídeo.

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Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Sergipe. Entusiasta dos estudos interdisciplinares entre o Direito e a Literatura. Genealogista amador e aspirante a escritor. Tem gosto artístico, habilidade manual, gosta de desafios, é idealista, quase sempre está de bom humor e dificilmente desiste dos seus ideais.

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