No decorrer do século XVI, na Europa, foram travadas diversas lutas religiosas entre católicos e protestantes. Com o apoio de príncipes e nobres, o protestantismo se expandia pelo continente, questionando direta e indiretamente o poder papal e os dogmas católicos. Diante da ameaça, o Papa Paulo III convocou o Concílio de Trento (1545-1563), que buscava assegurar a unidade da fé, a disciplina eclesiástica e a recuperação das posições sociais perdidas para o protestantismo.
Durante as grandes reformas, a Companhia de Jesus, fundada em 1540 por Inácio de Loyola, teve papel decisivo na prevalência de um posicionamento conservador diante de propostas conciliatórias. A ordem religiosa almejava, por meio de seus jesuítas, revigorar a fé cristã e proteger os princípios católicos. Para isso, planejava combater as heresias que assolavam a Europa e evangelizar os povos do novo mundo.
Paralelamente, os calvinistas apresentavam a Confissão de Fé Francesa (1559) ao rei Francisco II, documento contendo as ideias defendidas por João Calvino e que solicitava o fim da perseguição. O rei concedeu algumas liberdades, porém, temendo um possível golpe de Estado após a adesão de muitos nobres ao protestantismo, reprimiu e derrotou seus opositores, sendo muitos deles executados sumariamente.
Após esse capítulo, continuou a repressão às reuniões públicas de Calvinistas. A Igreja Católica, por sua vez, permanecia forte e a fogueira da inquisição ainda era uma ameaça. Em 1º de março de 1562, ocorreu o massacre de Vassy, que resultou na morte de pelo menos 70 huguenotes (termo utilizado para designar os calvinistas). Como resposta à constante perseguição, os calvinistas passaram a reagir de maneira violenta e intransigente, resultando em diversas guerras de religião que eclodiriam por todo o continente nas décadas seguintes.
É nessa conjuntura de disputas pelo domínio religioso entre católicos e calvinistas, marcada pelo fanatismo religioso de ambas os lados e pelo uso constante da violência, que ocorre o martírio de Inácio de Azevedo e dos seus trinta e nove companheiros.
O momento do martírio
A vastidão do império colonial lusitano e a necessidade de conversão dos nativos exigia da Companhia de Jesus um número considerável de missionários. Tendo morado no Brasil, o padre Inácio de Azevedo conhecia os desafios que aguardavam os jesuítas. Determinado a viabilizar a evangelização no novo continente, ele retornou a Europa em 1568 para discutir questões pertinentes e recrutar homens destemidos para a tarefa.
O padre reuniu cerca de noventa religiosos. Além desses, comporiam as tripulações homens, mulheres e crianças órfãs sobreviventes da peste que assolou Lisboa em 1568. Muitos desses haviam aderido à causa por convicções religiosas. A longa jornada pelo Oceano Atlântico teve início no Porto de Belém, no dia 5 de julho de 1570. Contudo, no decorrer da viagem algumas embarcações permaneceram atracadas na Ilha da Madeira, enquanto a nau Santiago com o Padre Inácio de Azevedo e outros continuou rumo ao seu destino.
Porém, no dia 15 de julho, próximo às Ilhas Canárias, a embarcação foi interceptada e tomada por piratas franceses fortemente armados comandados por Jcques Sourie, calvinista a mando da princesa Jeanne d’Albret. Diante do cruel desfecho que os aguardava, Inácio de Azevedo convidou a todos para rezar, pois, naquele dia, haveriam de povoar o céu.
Primeiro, os franceses fizeram uso dos canhões e de arcabuzes, uma espécie de arma de fogo semelhante ao bacamarte, causando grandes danos à embarcação portuguesa e ferindo tripulantes. Em seguida, invadiram a nau Santiago e iniciaram o combate corpo-a-corpo. Era discrepante a desvantagem lusitana diante do arsenal francês.
Atingido na cabeça e coberto de sangue, o padre Inácio de Azevedo permaneceu abraçado à imagem de Nossa Senhora de San Luca. Perante o evidente sofrimento do amigo, o padre Diogo de Andrade se pôs a abraça-lo. Eles fizeram, então, as suas profissões de fé, sendo, por fim, atirados ao mar.
No decorrer do ataque, outros 37 jesuítas foram mortes de maneiras violentas. No dia seguinte, foi martirizado o irmão Simão da Costa. Dentre os jesuítas, o único sobrevivente foi João Sanches, que teve a vida poupada por atuar no preparo dos alimentos. Quanto aos objetos devocionais, foram todos destruídos.
Onde: La Palma, Ilhas Canárias
Quando: 15 de julho de 1570
As consequências:
Diferentemente do resultado esperado pelos Calvinistas, o ataque violento aumentou o fervor dos jesuítas que, diante do exemplo de renúncia à vida em defesa da fé, buscaram ânimo para propagar os ideais da igreja católica. Não demorou para que surgissem fiéis com os seus pedidos de intercessão aos mártires. Além disso, o episódio inspirou diversas representações artísticas, que ressaltavam o aspecto trágico e a bravura dos jesuítas. Em 11 de maio de 1854, o papa Pio IX beatificou Inácio de Azevedo e seus companheiros.
Você precisa saber:
Mesmo ciente do fim trágico dos seus companheiros, o padre Pedro Dias determinou o prosseguimento da viagem das demais embarcações. Contudo, também foram abordados por corsários franceses e ingleses. Nos ataques, morreram alguns jesuítas, incluindo o Padre Pedro Dias, e o governador geral dom Luiz de Vasconcelos. Depois desses, muitos outros se sucederam. A situação somente foi apaziguada com a promulgação do Édito de Nantes, em 13 de abril de 1598, que reconheceu diversos direitos aos huguenotes.